Ele surgiu em uma era distante e foi bom de serviço durante séculos. Ela é novinha e ganhou impulso com os avanços tecnológicos. Estão separados por séculos, são de concepções diferentes e trabalham em extremos opostos. Tão diferentes, que qualquer comparação pode parecer descabida. Mas não é.
Primeiro, porque ambos só têm utilidade quando em contato com a água. Segundo, são instrumentos criados pelo homem para fazer da água energia. Sem dúvida, o monjolo e a turbina têm algo em comum. Mas, obviamente, ao olhar para as semelhanças, saltam aos olhos as diferenças.
É como acontece com as relações entre pessoas: conhecer as afinidades é um modo fascinante de apontar as diferenças.
O monjolo, que é um pilão rústico movido a água, sempre pede um lugar de destaque, onde exibe seu balanço pausado e ocupa o centro do processamento de grãos. A turbina hidráulica, aquela que está no coração da usina hidrelétrica, pede para ficar submersa. O monjolo impõe seu ritmo e seu método. Dita o movimento, lento e alternado. A turbina aceita o que dela se espera e o regime que o sistema requer. Giro veloz e contínuo.
O monjolo tem charme e até um certo ritmo poético. Talvez goste de fazer cena. Começa levando a imensa boca à bica, à qual roga por uma dose tripla. Insinua uma grande coreografia enquanto enche o cocho de água e nossos olhos de expectativas. De repente, algo o desagrada. Joga fora toda a água, pára e inverte tudo, iniciando um passo largo, que termina com uma pancada seca na outra ponta. Então, recomeça, moroso e manhoso, suplicando à bica outra rodada. É o mais antigo caso de transtorno bipolar nos anais da psiquiatria.
A turbina, apesar de grande e pesada, mantém-se oculta e consegue relativa discrição, sem deixar de ser produtiva. Toda água que lhe chega se transforma em muitos watts de energia.
Ele bebe pouco e soca muito. Ela bebe muito, mas não bate nem tritura. Apenas gira. Dócil e incansável.
O trabalho do primeiro é um movimento mecânico de dois tempos. O da segunda tem infinitas possibilidades de giro e de potência. A tocada do monjolo é pautada pelo 1+1 e ao final do ciclo tudo volta ao ponto inicial. A turbina multiplica, só vai adiante e segue sem parar.
O monjolo é um símbolo de histórias e tradições. Age como dono do tempo e senhor do sistema. A turbina é metal frio, mas se integra em um sincronismo complexo. Aproveita tudo que lhe chega, multiplica o trabalho e alimenta uma casa de força.
A imponência do monjolo causa impactos. O anonimato da turbina ilumina a vida. Ele, com sua caprichosa gangorra, rompe cascas e quebra grãos. Ela, com seus pares acoplados, gera aquecimento e energia que move máquinas.
Assim como monjolos e turbinas são as relações entre as pessoas. Algumas nunca constróem uma trajetória de trocas positivas. As coisas voltam ao ponto de partida, recomeçando a cada encontro ou a cada dia. Um passo para frente, outro passo para trás, qual o monjolo com a delicadeza de tijolo.
Outras relações são férteis, sinérgicas. Sempre se estreitam e se aprofundam, distribuindo benefícios sem nada impor. Apenas interagindo e multiplicando, como a turbina, com seu vigor de menina.
Traídos por impulsos do ego, às vezes fazemos o papel de monjolo em nossos relacionamentos. Outras vezes, assumimos esse papel conscientemente, movidos por caprichos pessoais ou equivocados desejos de atenção e poder.
Quando isso acontece, a gente se expõe a riscos que podem custar caro. Risco de ser substituído por uma eficiente turbina, carcomido pelo tempo ou simplesmente entregue ao abandono. Como um velho monjolo ao relento.
(Escrito por Ricardo Zani)
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