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07 julho 2016

SAUDADE DOS TEMPOS EM LINS

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Saudade de tempos distantes e do uniforme de brim, lenço no pescoço e quepe na cabeça. 
Da vibração dos desfiles de 7 de Setembro. Bons tempos do Horto Florestal. Cinema, com matinê e vesperal. 
 Passeios de bicicleta com meu pai, pelas poucas ruas asfaltadas na época. Nenhuma saudade dos pés-d’água gelados longe de casa.  
Quermesses com cheiro bom de churrasco e auto-falante animado. Missa de domingo às seis da manhã na Catedral... Quanto esforço pra acordar, tanto prazer de ir e voltar, nenhum motivo que pudesse explicar... 
Nos cafezais, sábado de pagamento. Nos armazéns, dia de movimento. 
Domingo, carona no caminhão do tio pra ir a algum sítio visitar outro tio. 
Traquinar com Carlinhos, rir de tudo com Ariovaldo, filmar as meninas com o Paulo Décio. 
Ver futebol no Fernando Costa e campeonatos noturnos na quadra do Comercial. 
A vitalidade e as histórias da boemia na Vila Ribeiro. 
Sentar na calçada pra ver a moçada voltando das aulas noturnas. 
De madrugadinha, ir com meu pai ao Dourado, sonhando com a piapara no anzol. 
Noites de adolescente sozinho em sábado vazio, ao consolo da música vibrante em algum parque distante. 
Nas margens do Campestre, seguir os passos do pai, que seguia o canto do curió, quando isso não fazia dó. 
Lembranças de apitos... Apitos solitários que abrandavam a noite, afastavam mistérios e advertiam becos sombrios, soprados pelo pontual guarda-noturno. Era manco de uma perna e vagaroso nas duas. Da janela, eu via seus passos cansados e a solidão que o emboscava toda noite. Mas algo em sua ronda inspirava confiança. Talvez sua persistência, o olhar gelado e o rosto enrugado, como as temidas personagens de Charles Bronson. 
Primeiros tempos do Cine Lins, onde se combinavam as emoções dos épicos estrangeiros e o glamour das moças da cidade. 
Primeiros anos do I.E. 21 de Abril, entre a descontração simpática do Professor Júlio e a matemática impiedosa da professora famosa. Era temida como um teorema e desejada qual musa de Ipanema. 
Deliciosos e intermináveis casos contados pelo professor Joaquim Borges Rodrigues. Histórias de caçadas? A turma gostava e pedia bis.
Os hábitos rígidos do professor Agostinho, que convocava educação física para madrugadas de inverno, na neblina cruel das 6 da manhã. 
Saudade das opções de fuga, quando trocava a aula de equação pela pausa de contemplação na Praça da Bandeira, entre passarinhos divertidos e canteiros coloridos. Que meus netos façam o mesmo, mas sem “matar” aulas. 
Acordar bem cedo e cumprir a missão de moleque útil em tempos de vacas gordas: pedalar até a chácara pra buscar leite no curral. Saudade do leite? Muito mais do cheiro do mato amanhecendo e dos restos de orvalho no tênis furado e no pneu surrado. 
Saudade de tanta gente que circulava de Vespa, turma que roncava com Lambretta e alguns que desfilavam de Jawa malagueta. 
Sábado, passeio caipira com salgadinho do Bira. Domingo, com as crianças à noite, para um lanche de rei, sempre no Autaddei. 
Café sem pressa na Esquina do Pecado. Depois, sair do trabalho cansado. E porque passava da meia-noite, a gente passava na padaria da “Batian”, alto da Rui Barbosa, entrando pelos fundos, como os velhos fregueses, para chegar em casa com pão quente na mão. 
Saudade, saudade dos guias pelas mãos dos quais encontrei meus caminhos. Sem fazer injustiça a outros, por dois tenho especial gratidão pelo apoio quando hesitei, confiança quando tremi e força quando precisei: radialista Cilmar Machado e o então funcionário da Delegacia Regional do Trabalho, Nelson Pereira da Silva. 
Porque retribuir é dever. E recordar é viver. 

(Escrito por José Ricardo Zani e publicado em 2007 na Usina de Letras)

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