
Escrito por Geraldo Galvão Ferraz - Publicado na Revista Cult (clique aqui para acessar a revista)
Nenhum poeta brasileiro cantou as mulheres como Vinicius de Moraes. Em todos os sentidos. Alguns dos seus versos viraram até lugares-comuns do jogo amoroso, como "Eu possa lhe dizer do amor (que tive):/Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure." Além da teoria, Vinicius empregou seus talentos na prática e, descontadas algumas ligações passageiras, casou-se nove vezes nos seus 66 anos de vida. A propósito, no próximo dia 19 de outubro, faria 94.
A primeira foi Beatriz Azevedo de Melo, a Tati de Moraes, com quem teve dois filhos, Suzana e Pedro. O casamento durou de 1939 a 1951. Tati estimulou o poeta a fazer o concurso para o Itamaraty. Para ela, escreveu o "Soneto da fidelidade", que contem o terceto citado acima.
Regina Pederneiras, a segunda mulher de Vinicius, era funcionária do Itamaraty, uma arquivista. Casam-se na igreja, mas menos de um ano depois, Regina abandona Vinicius, que cai em depressão. Os dois reatam e, na viagem para os Estados Unidos (Vinicius foi assumir o posto de vice-cônsul em Los Angeles), ela tem uma crise de diverticulite. Ele volta com Tati e comenta: "Achei aquela história de diverticulite de muito mau gosto. Especialmente numa mulher."
Lila Bôscoli, a número três, irmã de Ronaldo Bôscoli, foi-lhe apresentada por Rubem Braga: "Esta é Lila Bôscoli, este é Vinicius de Moraes...e seja o que Deus quiser." O casamento durou sete anos, até 1958, e incluiu duas filhas, Georgiana e Luciana. Marca também a volta de Vinicius à literatura, pois seu período em Los Angeles foi dedicado ao jazz e ao cinema. Lila inspirou poesias como "A hora íntima", "Soneto do amor total" e "Poema dos olhos da amada".
A quarta mulher de Vinicius foi Maria Lúcia Proença. O casamento durou de 1958 a 1963 e é considerada a relação mais madura da vida dele. Escreveu para ela "Para viver um grande amor". Alguns dizem que Lucinha foi o grande amor de sua vida e Vinicius teve várias recaídas posteriormente. Ele estava casado com Tati, e ela com Jorge Vargas. Encontram-se em Paris e vão juntos para Londres. Por oito meses, depois que Lucinha é recambiada para o Brasil, trocam cartas às escondidas. Vão morar juntos no Uruguai, após o desquite dela. Entre o Uruguai e o Brasil vivem uma vida discreta. Vinicius, a convite de Aloísio de Oliveira, começa a cantar em discos. Dois anos depois está com Antonio Carlos Jobim e João Gilberto, fazendo pocket-shows.
Então vem Nelita. Com 20 anos, noiva, estudante da PUC carioca. Aproximados por Noelza Guimarães, prima de Nelita, esta e um Vinicius cinqüentão engatam um namoro às escondidas. Fogem para Roma e Paris. Vinicius bebe muito, mas escreve para ela os textos de Para uma menina com uma flor. É a época de "Garota de Ipanema", mas também, um pouco antes, a dos primeiros afro-sambas com Baden Powell ("Berimbau", "Canto de Ossanha").
O sexto casamento é com Cristina Gurjão, 26 anos mais jovem que o poeta. Tiveram a filha Maria. O casamento durou pouco, cerca de um ano. Os dois se conheciam há tempos e Vinicius levara uma guardachuvada na cabeça quando tentou seduzi-la. Mas, após idas e vindas, a união se consuma, já nos anos 1960. Em 1969, Cristina descobre que está grávida e, no quinto mês de gravidez, é praticamente abandonada pelo poeta, enlevado pela baiana Gesse Gessy, que será sua sétima mulher.
Em 1969, Vinicius e Gesse se casam, primeiro no Uruguai, depois em 1973, na Bahia. Gesse faz uma revolução na alma do poeta. Ela transforma o engravatado do Itamaraty num homem livre de convenções, e sua poesia explica isso. Basta ver o "Soneto de Luz e Treva" feito para Gesse, cheio de citações baianas. Vinicius rejuvenesce aos 60, está disposto como nunca, vive e ama intensamente.
A oitava mulher foi a argentina Marta Rodrigues Santamaria, a Martita. Conheceu-a em um circuito universitário e um ano depois casaram. Vinicius escreveu para ela o "Soneto da Marta". O casamento durou de 1975 a 1978.
A última mulher do poeta foi Gilda de Queirós Mattoso, a quem dedicou a bela valsinha "Gilda", com seu refrão "Gilda, Gilda/ Gilda e eu." A união foi de 1978 até a morte de Vinicius, em 9 de julho de 1980. Ele dizia que ia ficar com Gilda e a apresentava, brincando, aos amigos como "a viúva". Gilda conheceu Vinicius casado, primeiro com Gesse, depois com Martita, mas o amor surge em 1978, quando o casamento com Martita já ia mal.
Conversamos com duas das ex-mulheres de Vinicius. Gilda Mattoso e Gesse Gessy. Leia mais.
Leia, a seguir, Brotinho indócil, texto extraído do livro "Para uma menina com uma flor", homenagem de Vinícius para Nelita.
Brotinho Indócil
Vinicius de Moraes
A insistência daqueles chamados já estava me enchendo a paciência (isto foi há alguns anos).
Toda a vez era a mesma voz infantil e a mesma teimosia:
— Mas eu nunca vou à cidade, minha filha. Porque é que você não toma juízo e não esquece essa bobagem...
A resposta vinha clara, prática, persuasiva:
— Olha que eu sou um broto muito bonitinho... E depois, não é nada do que você pensa não, seu bobo. Eu quero só que você autografe para mim a sua "Antologia Poética", morou?
Morar eu morava. É danadamente difícil ser indelicado com uma mulher, sobretudo quando já se facilitou um bocadinho. Aventei a hipótese:
— Mas. . . e se você for um bagulho horrível? Não é chato para nós ambos?
A risada veio límpida como a própria verdade enunciada:
— Sou uma gracinha.Mnhum - mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma espécie de Nabokov "avant-la-lettre", com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu mundo de ninfete. Não, resistiria.
— Adeus. Vê se não telefona mais, por favor. . .
— Adeus. Espero você às 4, diante da ABI. Quando você vir um brotinho lindo você sabe que sou eu. Você, eu conheço.
Tenho até retratos seus. . .
Não fui, é claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.
— Ingrato . . .
— Onde é que você mora, hein?
— Na Tijuca. Por quê?
— Por nada. Você não desiste, não é?
— Nem morta.
— Está bem. São 3 da tarde; às 4 estarei na porta da ABI. Se quiser dar o bolo, pode dar. Tenho de toda maneira que ir à cidade.
— Malcriado. . . Você vai cair duro quando me vir.
Desta vez fui. E qual não é minha surpresa quando, às 4 em ponto, vejo aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo, rosto lavado, olhos enormes: uma graça completa.
Teria, no máximo, 13 anos. Apresentou-me sorridente o livro :
— Põe uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?
...E como eu lhe respondesse ao sorriso:
— Então, está desapontado?
Escrevi a dedicatória sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:
— Ih, que sério . . .Embora morto de vontade de rir, contive-me para retorquir-lhe:
— É, sou um homem sério. E daí?O "e daí" é que foi a minha perdição. Seus olhos brilharam e ela disse rápido:
— Daí que os homens sérios podem muito bem levar brotinhos ao cinema...
Olhei-a com um falso ar severo:
— Você está vendo aquele Café ali? Se você não desaparecer daqui imediatamente eu vou àquele Café, ligo para sua mãe ou seu pai e digo para virem buscar você aqui de chinelo, você está ouvindo? De chinelo!
Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem não se fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:
— Você não sabe o que está perdendo. . .E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da Avenida.
(1966 )
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