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11 dezembro 2005

NUM MAR DE BOBAGENS QUÂNTICAS, UMA ILHA DE LUCIDEZ


Gente, tenho aqui um assunto interessante, relacionado a conhecimento de ponta, mas com boas pitadas de ironia em torno do modismo presunçoso que muita gente tenta criar em cima desse conhecimento avançado.

O simplismo e os exageros na interpretação das teorias quânticas estão produzindo bobagens que levam à ingênua confusão entre física quântica e misticismo obscuro. O novo livro de Stephen Hawking (Uma Nova História do Tempo) chega em boa hora, repondo um pouco de ordem nesse complexo campo do conhecimento.

Leia, a seguir, a matéria publicada na seção "Livros", da Revista Veja, de 23.11.2005:

A teoria das cordas, uma das explicações do cosmo atualmente exploradas pelos teóricos da astrofísica, prevê que o universo não se resume às quatro dimensões (três espaciais e uma temporal) que são familiares a todo ser humano. Na verdade, poderiam existir 26 dimensões. E esse é apenas um exemplo – talvez não o mais extremado – dos vários princípios e teorias da física moderna que contradizem o modo como nossos limitados cinco sentidos percebem a realidade. A física é a mais contra-intuitiva das ciências. No entanto, o mundo parece estar cheio de gente que a conhece a fundo. Músicos, escritores, artistas, comentaristas de televisão, terapeutas holísticos – todo mundo tem seu palpite sobre mecânica quântica. No meio de tanta especulação infundada, o lançamento de um livro como Uma Nova História do Tempo (tradução de Vera de Paula Assis; Ediouro; 176 páginas; 39,90 reais) é um refresco. Escrita em parceria pelo famoso físico inglês Stephen Hawking e por seu colega americano Leonard Mlodinow, a obra cumpre o que promete: consegue ser clara e didática, sem comprometer o fascínio de seu tema (que, afinal, inclui todas aquelas questões fundamentais que afligem o homem há séculos: de onde viemos? Para onde vamos? etc.). Ocupada com vários mistérios universais – o Big Bang, os buracos negros, a expansão das galáxias –, a dupla de físicos só não responde a um pequeno enigma localizado: por que tanta gente opina sobre um tema que só os especialistas realmente compreendem?


Uma Nova História do Tempo é uma versão atualizada e simplificada de Uma Breve História do Tempo, livro que Hawking lançou em 1988 – e que vendeu mais de 10 milhões de cópias no mundo todo. Esse best-seller levou o nome do autor para além dos muros acadêmicos (Hawking, a propósito, é professor na Universidade de Cambridge, na qual ocupa uma cátedra que já foi de Isaac Newton, talvez o mais influente físico de todos os tempos). Sua voz mecânica – por seqüelas de uma doença degenerativa, ele precisa de um sintetizador de voz para se expressar – já fez até uma aparição no desenho animado Os Simpsons. Menos conhecido, Mlodinow também tem um pé na cultura pop: foi roteirista da série Jornada nas Estrelas – A Nova Geração. Suas credenciais como físico, porém, foram conquistadas no renomado Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), onde trabalhou ao lado do Nobel de física Richard Feynman – experiência que Mlodinow relata em O Arco-Íris de Feynman, lançado no Brasil pela editora Sextante.

É curioso que teóricos como Hawking (e, bem antes dele, Albert Einstein), mesmo sendo pouco compreendidos, acabem se transformando em ícones pop. De modo geral, essa é uma tendência positiva: contribui para divulgar os princípios básicos da física entre os leigos. O problema é que, junto à divulgação científica feita com seriedade, vicejam a diluição e a deturpação. "Poucos realmente entenderam a obra de homens como Einstein ou Hawking. Mas os que pensam que entenderam são bem mais numerosos", diz Mlodinow. Por sua complexidade, temas como a teoria da relatividade e a mecânica quântica parecem convidar a uma abordagem "esotérica", e há muito misticismo barato vendido por aí sob uma roupagem científica. A roteirista de televisão Fernanda Young é uma que adora falar de física como se fosse algum tipo de "filosofia de vida" – nos tempos em que participava do programa Saia Justa, ela ensinava os espectadores a dar "saltos quânticos". O músico e ministro da Cultura Gilberto Gil já dedicou um de seus discos mais chatos, Quanta, ao tema. E o diretor de teatro Antunes Filho de algum modo conseguiu enfiar a física quântica no "método" que ensina aos atores.

Os virtuoses da bobagem gostam de usar expressões como "espaço-tempo" e "quântico", ainda que completamente fora de contexto. Essa apropriação indevida dos termos técnicos ajuda no marketing artístico: o livro, a música, o manifesto que utiliza essas palavras complicadas fica parecendo tão mais profundo, não é mesmo? O mesmo princípio é utilizado para vender terapias alternativas. Já se anuncia por aí até uma "cura quântica estelar". Uma página da internet devotada ao assunto explica como os pensamentos negativos deslocam os elétrons de sua órbita, causando doenças. Não é preciso ter Ph.D. em física para perceber que isso é uma asneira sem tamanho. Em Uma Nova História do Tempo, o leitor não encontrará uma só palavra sobre o poder da mente de interferir na matéria. O único poder mental em ação ali é a inteligência dos autores. E já está de bom tamanho.

ASNEIRAS CÓSMICAS


Algumas das idiotices que são ditas quando se tenta aplicar a física quântica a outras áreas

ORIENTALISMO
Na trilha de O Tao da Física, livro do físico new age Fritjof Capra, muitos tentam aproximar a física moderna de religiões orientais como o budismo e o taoísmo. O melhor resumo dessas tentativas foi feito pelo biólogo Richard Dawkins: a filosofia oriental é muito complicada, e a mecânica quântica é muito complicada. E é só por isso que alguns pensam que elas tratam da mesma coisa.

TUDO É INCERTEZA
Não é possível ter certeza de nada, e tudo pode sempre ser o seu contrário. Sempre que alguém diz uma bobagem dessas, recorre ao princípio da incerteza, formulado pelo alemão Werner Heisenberg em 1927. Mas Heisenberg não disse nada do gênero. Seu famoso princípio fala do comportamento de partículas subatômicas e tem poucas conseqüências significativas no mundo macroscópico: não é por culpa da mecânica quântica que você nunca encontra as chaves do carro.

ENERGIA
Sabe aquele lance de energia – o alto ou baixo-astral que uma pessoa transmite para o ambiente? Pois é, tem quem diga que isso pode ser explicado pela física, que são "saltos quânticos" que a consciência de uma pessoa projeta sobre a outra. É verdade que alguns cientistas sérios já criaram modelos – por enquanto, totalmente especulativos – em que a mecânica quântica influiria no funcionamento do cérebro. Mas não, o mau-olhado não é um fenômeno quântico.

CURA QUÂNTICA
De carona na moda de aproximar física e filosofia oriental, alguns gurus juntaram medicina indiana e mecânica quântica para propor uma nova terapia "espiritual". Na internet, já se encontram até páginas dedicadas à "cura quântica estelar". Nessa bobagem, só sobrou um vago odor da ciência original: o adjetivo "quântico" só aparece aqui para impressionar os incautos.

Coloquei reprodução de um trecho do livro do Hawking, na página auxiliar deste Blog. Clique aqui para ler.

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